Pretérito Perfeito
Vasco é um homem de 33 anos, que tem da tenra
juventude e da infância as memórias mais acesas, um homem que carrega a
inocência dessas vivências e a fragilidade de alguém que sabe que tem os dias
contados. Talvez por isso o sintamos, não homem, mas menino.
É pela voz do próprio Vasco que, desde as primeiras
páginas, entramos na sua casa e seguimos até ao terraço, onde nos sentimos a
salvo, na hora em que o sol se põe sobre o Tejo. São também as palavras deste
homem-menino que nos conduzem pelo Outono de Lisboa, pelos bares da moda de
outros tempos, ou por outros lugares que a sua cultura e curiosidade evocam.
À medida que a narrativa se tece, umas vezes num
estilo torrencial, outras ritmado, quase musical, tornamo-nos cúmplices de
Vasco. Cúmplices das memórias, do seu quotidiano e - muito - da sua dor, do
desespero, do vazio. Vasco deixa de ser, a certa altura, apenas a personagem,
para ocupar o lugar do amigo de infância, do vizinho que viveu sempre ao nosso
lado, com quem trocámos cromos, livros, discos ou palavras, nas escadas do
prédio, noite dentro. Aliás, ao longo da obra, deparamo-nos frequentemente com
referentes da infância e da adolescência que são também os da minha geração:
Mário de Sá-Carneiro e o seu poema “Fim”, músicas dos Xutos ou dos UHF, o Verão
Azul, o Lucky Luke, uma lengalenga infantil, etc.
Como se sabe sem futuro e como o presente é um espaço
de dor e de expectativa, acaba por centrar grande parte do seu relato num
passado que foi feliz e pleno em vivências, desde as brincadeiras de rua com os
vizinhos à descoberta do amor, em Trás-os-Montes, com Isaura, que lhe ensinou
não só o amor, como despertou nele o gosto pela poesia e pela literatura em
geral.
Trás-os-Montes,
onde ele regressa com o pai para ir buscar os avós e as couves para o Natal, é,
como a casa de Lisboa, um espaço de afectos.
Há, em Vasco, uma sensibilidade que decorre da sua
formação como músico, mas também do ambiente de afecto em que sempre viveu e
que a doença apura. Torna-se, por isso, mais atento aquilo que o rodeia: aos
pormenores, aos gestos e às conversas dos vizinhos, à dor daqueles que ama.
Pretérito
Perfeito, publicado em Setembro de 2013, pela Editoral Estampa, é o segundo
romance de Raquel Serejo Martins, uma transmontana (Vilarandelo, Valpaços) que
vive na capital.