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segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Poesia de primeira, à Segunda-Feira (#35/2015)

Retrato


Cruel como os Assírios,
Lânguido como os Persas,
Entre estrelas e círios
Cristão só nas conversas.

Árabe no sossego,
Africano no ardor;
No corpo, Grego, Grego!
Homem, seja onde for.

Romano na ambição,
Oriental no ardil,
Latino na paixão,
Europeu por subtil:

Homem sou, homem só
(Pascal: "nem anjo nem bruto"):
Cristãmente, do pó
Me levante impoluto.


Vitorino Nemésio

Undenied Pleasures por Nuno Baptista (#35/2015)



Krieg Und Frieden (Music For Theatre) é o mais recente álbum de Apparat; inspirado em Guerra e Paz de Tolstoy, a crítica afirma que Apparat, ou seja Sascha Ring, é o grande inovador da Alemanha contemporânea. Com uma electrónica que fica no ouvido e com experiência firmada, Krieg Und Frieden (Music For Theatre) é um álbum consistente e diverso música após música.

Fiquem com o single, A Violent Sky.


sábado, 29 de agosto de 2015

SCREEN SHOT (#35/2015)

Clássico: Mulheres da Beira (1923)
Realização: Rino Lupo


Adaptado de um conto de Abel Botelho e realizado pelo italiano Rino Lupo, Mulheres da Beira é uma história rural de amores e desamores, protagonizado por Brunilde Júdice no papel de Ana. Restaurado em 2003, o filme foi musicado em 2007 pelo músico Ivo Brandão para o AroucaFilm Festival. Esta é a versão que aqui partilhamos.


quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Livros que nos devoram por Luísa Félix (#07/2015)

A Catedral do Mar, de Ildefonso Falcones


Em A Catedral do Mar, um romance de base histórica, Ildefonso Falcones situa a maior parte da acção na cidade de Barcelona do final da Idade Média, cuja estrutura feudal predomina ainda.

Arnau, o protagonista da obra, chega a Barcelona muito pequeno, com o pai, Bernat, que foge ao jugo de um senhor feudal impiedoso e cruel. Por serem foragidos, Arnau e o pai terão de viver clandestinamente na casa da irmã de Bernat, casada com um mestre oleiro bem sucedido, para quem pai e filho trabalharão. Só depois de um ano, poderão ser considerados cidadãos de Barcelona.

O crescimento de Arnau acompanha a construção da catedral de Santa Maria del Mar, um templo construído no bairro dos pescadores, com o trabalho dos populares, em particular dos bastaixos, ou estivadores, e com o dinheiro de alguns burgueses.

Desde cedo, Arnau sente fascínio pelas obras da catedral, pela imagem da virgem que este espaço alberga e pelo trabalho dos bastaixos, tornando-se ele próprio um deles, depois da morte do pai. Contudo, Arnau será também soldado de reconhecido valor e um cambista respeitado. Ao longo do tempo, conhece a felicidade e a desgraça, a inveja e a maldade. 

Numa escrita fluente e extremamente visual, Ildefonso Falcones transporta-nos para uma Barcelona em ascensão, onde confluem diferentes povos e culturas, fazendo também um retrato minucioso da sociedade da época, em que a Igreja, através de um “instrumento” cada vez mais poderoso - a Inquisição -, se destaca.


A autora, Luísa Félix, pode ser seguida no seu blogue, Letras são papéis.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Poesia de primeira, à Segunda-Feira (#34/2015)

Poema podendo servir de posfácio 

A Eduardo de Oliveira


ruas onde o perigo é evidente
braços verdes de práticas ocultas
cadáveres à tona de água
girassóis
e um corpo
um corpo para cortar as lâmpadas do dia
um corpo para descer uma paisagem de aves
para ir de manhã cedo e voltar muito tarde
rodeado de anões e de campos de lilases
um corpo para cobrir a tua ausência
como uma colcha
um talher
um perfume

isto ou o seu contrário, mas de certa maneira hiante
e com muita gente à volta a ver o que é
isto ou uma população de sessenta mil almas devorando almofadas escarlates a caminho do mar
e que chegam
ao crepúsculo
encostadas aos submarinos
isto ou um torso desalojado de um verso
e cuja morte é o orgulho de todos
ó pálida cidade construída
como uma febre entre dois patamares!
vamos distribuir ao domicílio
terra para encher candelabros
leitos de fumo para amantes erectos
tabuinhas com palavras interditas
– uma mulher para este que está quase a perder o gosto à vida – tome lá –
dois netos para essa velha aí no fim da fila – não temos mais –
saquear o museu dar um diadema ao mundo e depois obrigar a repor no mesmo sítio
e para ti e para mim, assentes num espaço útil,
veneno para entornar nos olhos do gigante

isto ou um rosto um rosto solitário como barco em demanda de vento calmo para a noite
se nós somos areia que se filtre
a um vento débil entre arbustos pintados
se um propósito deve atingir a sua margem como as correntes da terra náufragos e tempestade
se o homem das pensões e das hospedarias levanta a sua fronte de cratera molhada
se na rua o sol brilha como nunca
se por um minuto
vale a pena
esperar
isto ou a alegria igual à simples forma de um pulso
aceso entre a folhagem das mais altas lâmpadas
isto ou a alegria dita o avião de cartas
entrada pela janela saída pelo telhado

ah mas então a pirâmide existe?
ah mas e então a pirâmide diz coisas?
então a pirâmide é o segredo de cada um com o mundo?

sim meu amor a pirâmide existe
a pirâmide diz muitíssimas coisas
a pirâmide é a arte de bailar em silêncio

e em todo o caso

há praças onde esculpir um lírio
zonas subtis de propagação do azul
gestos sem dono barcos sob as flores
uma canção para ouvir-te chegar


Mário Cesariny

domingo, 23 de agosto de 2015

Undenied Pleasures por Nuno Baptista (#34/2015)



Ólafur Arnalds, oriundo da Islândia, dá-nos o seu Inverno, que, estimados leitores, é tão aconchegante. For Now I Am Winter contém 12 músicas que nos tiram o fôlego. Este autor, já com a reputação de ser um dos grandes novos compositores, combina Orquestra com Electrónica imperialmente. Este trabalho foi descrito por Arnalds como o melhor que já fez até à data, um álbum que embarca numa evolução conceptual sazonal que usufrui do neo-clássico e estabelece-se como um pilar do estilo.
Fiquem com a belíssima "Only The Winds".


sexta-feira, 21 de agosto de 2015

SCREEN SHOT por A.A.M. (#34/2015)

(Screen Shot é escrito segundo a nova variação ortográfica.)


Filme: The Visit [A Visita] (2015)
Realização: M. Night Shyamalan


O aclamado realizador, M. Night Shyamalan, volta a direccionar a sua temática para o género do Terror. Depois de realizar The Happening, em 2008, traz-nos agora A Visita. A estória é simples, um rapaz e uma rapariga (Ed Oxenboul e Olivia DeJonge) irmãos, vão visitar os seus avós que vivem numa quinta distante, enquanto a mãe vai de férias. Em casa dos avós cedo se apercebem de que algo estranho acontece, reforçado pela restrição de não saírem do seu quarto depois das 21:30. O enredo começa quando as regras são quebradas, mas com M. Night Shyamalan nunca se sabe o que esperar. Com estreia marcada para 11 de Setembro, é uma das propostas em exibição do 9.ª Edição do MOTELx – Festival Internacional de Cinama de Terror de Lisboa.


quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Animagem (#17/2015)

Heart, literalmente, Coração, é uma metragem que toca na questão da partilha e da inveja com um toque surrealista, e detalhes que por vezes lembram personagens e cenários da animação japonesa.


segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Poesia de primeira, à Segunda-Feira (#33/2015)

Não soube da tarde


Não soube da tarde
senão pela mudez das pedras,
pelo êxtase iluminado das árvores.

Ébria de memórias,
errei por caminhos de pó,
por trilhos de quietação.

Bebi, em sorvos lentos,
o aroma agreste das estevas,
bebi-me inteira, de um trago,
sem que me conhecesse.

Reencontrei-me no canto nocturno
das cigarras,
no restolhar animal e anónimo,

numa saudação longínqua de estrelas.


Luísa Félix

domingo, 16 de agosto de 2015

Undenied Pleasures por Nuno Baptista (#33/2015)



2012 foi o ano que nos deu a conhecer Baby In Vain. É importante porque falo de uma banda composta por três raparigas com idades compreendidas entra os 17 e os 20 anos que criam e desenvolvem um "Stoner Rock" extraordinário. Com Parecenças a PJ Harvey dos tempos de "Dry", Smashing Pumpkins do tempo de "Gish" ou até mesmo Sonic Youh, penso no marco da história que foi "Dirty", temos presente neste "Sweetheart Dreams" poderosos "riffs" de guitarras, voz arrastada e composições complexas que preenchem todo o álbum. A atentar... Fiquem com "Sweetheart Dreams" e deslumbrem-se com o talento destas "Senhoras".


sábado, 15 de agosto de 2015

Cidadão Nemo por Paulo Seara [(#07/2015) Peça Íntegral]

(Em dia de última cena de Cidadão Nemo, a Pomar de Letras publica na íntegra as 7 cenas desta peça em 1 acto, para ler e apreciar duma acentada.)


Cidadão Nemo
Peça em 1 Acto

Por Paulo Seara




Cena 1 (Medicamentos)


Um terço da luz ilumina o quarto. Na penumbra quase total, um homem dorme, dentro de um enorme fatia de cobertores. O conforto do sono não será perturbado pelo ruído agudo da telefonia? Estará a dormir? Do quanto se consegue vislumbrar o mobiliário enegrecido, com algumas mossas, e cortes na madeira lacada. Há no ar o cheiro da urina; e o bafo retido no cubículo; o cotão com pó que petrifica o chão debaixo da cama. O relógio dispara, que é hora de tomar os comprimidos para adormecer. O homem está alerta, tosse e ergue-se, ilumina a dose habitual e deita-se novamente com os comprimidos se desfazendo nas entranhas. O rádio continua pela madragoa tocando, como se fosse a luz de vigília de crianças.

Monólogo ao tomar os comprimidos

Semedo: Este vou guardar para amanhã e este também, que a vida está cara, e porque preciso de dinheiro para o talho; e comprar as aparas é o que é! (Pausa). São horas … (tosse) … são só mais estes dois, e assim só de amanhã a oito é que compro uma nova caixa … (tosse). (Pausa) E tu vai tocar para a puta que te pariu (desliga o alarme, e volta a deitar-se).


Cena 2 (Diálogo com a encarregada do senhorio)


A cena decorre na cozinha, um espaço iluminado por uma luz suspensa, vislumbra-se parte da mesa, da porta em frente sai uma iluminação em contra luz, por aí saí a encarregado do senhorio.

Sr.ª Rosália: Oh, senhor Semedo! Afinal temos novamente as nódoas no chão da casa de banho… são pingas de mijo!

Semedo: O chão é a terra, minha senhora (ironizando a situação).

Srª Rosália: Senhor Semedo (pausa), sei que é uma pessoa simples, mas seja asseado, pois existem outras pessoas na casa…

Semedo: A senhora está a pensar que sou eu, mas não viu!

Srª Rosália: Não estou aqui para ver as vergonhas do próximo… Sabe bem que temos que ser uns para os outros; e o senhor tem que ter mais cuidado com estas situações. Se for você! Está manhã estive a limpar a casa de banho, depois voltei a entrar lá, porque me tinha esquecido do pano do pó, e deparo-me com pingas de mijo nos azulejos, meus não seriam, pois não ando a regar em pé, e como mais ninguém aqui estava, deduzo que seja o senhor. Tenha cuidado, e estime as coisas.

Semedo: (Desvia o olhar para o lado ao mesmo tempo que abaixa o queixo).

Srª Rosália: Estime as coisas, é o meu conselho!!!

Semedo: Eu vou ter mais cuidado. Mas anteontem por causa do ralo da banheira chamou-me à atenção, e eu não tinha nada que ver com o assunto. Até parece que se lá andam a rapar… a rapar… imagine.

Srª Rosália: Olhe, senhor Semedo, o melhor é ficarmos por aqui. Desculpe o incómodo ao jantar. Eu me vou, que tenho de tratar do meu!

(Pausa)

Semedo: Raios a partam, que limpe, pois eu pago-lhe!

(Recebe uma mensagem no telemóvel)

Mas quem és tu, olha-me este agora, está bem que te chames Gomes, mas não te conheço… Oh! vou para onde…às… É mas é maluco! É mas é maluco…

(O tipo liga)

Estou… mas… ah! sim, mas deve estar enganado…ah! sério que sim. Não me chateie, tente outro número.

(Pausa)

Queria o maluco, sair, pensa que tenho 20 anos, e que vou pagar-lhe alguma puta. Eu estive a combater… sei o que são as putas… e as infecções…. Que vá para o caralho!

(Pausa)

(Observa a televisão, e faz diversos zappings, sucessivamente, até ao abrupto blackout))

Petróleo e mais petróleo, isso é lá fora.

(Pausa)

Comer aqui é que é poupar, um tacho dá para 4 dias…


Cena 3 (Medicamentos)


Um terço da luz ilumina o quarto. Na penumbra quase total, um homem dorme, dentro de um enorme fatia de cobertores. O conforto do sono não será perturbado pelo ruído agudo da telefonia? Estará a dormir?
Do quanto consegue vislumbrar-se o mobiliário enegrecido, com algumas mossas, e cortes na madeira lacada. Há no ar o cheiro da urina; e o bafo retido no cubículo; o cotão com pó que petrifica o chão debaixo da cama. O relógio dispara, que é hora de tomar os comprimidos para adormecer. O homem está alerta, tosse e ergue-se, ilumina a dose habitual e deita-se novamente com os comprimidos se desfazendo nas entranhas. O rádio continua pela madragoa tocando, como se fosse a luz de vigília de crianças.

Monólogo ao tomar os comprimidos.

Semedo: Este vou guardar para amanhã e este também, que a vida está cara, e porque preciso de dinheiro para o talho, e comprar as aparas é o que é!. São horas … (tosse) … são só mais este dois, e assim só de amanhã a oito é que compro uma nova caixa … (tosse).


(Pausa)


E tu vai tocar para a puta que te pariu (desliga o alarme, e volta a deitar-se).


Cena 4 (Diálogo com a encarregada do senhorio)


A cena decorre na cozinha, um espaço iluminado por uma luz suspensa, vislumbra-se parte da mesa, da porta em frente sai uma iluminação em contra luz, por aí sai a encarregado do senhorio.

Sr.ª Rosália: Oh senhor Semedo, afinal temos novamente as nódoas no chão da casa de banho… são pingas de mijo!

Semedo: O chão é a terra, minha senhora (ironizando a situação).

Srª Rosália: Senhor Semedo, sei que é uma pessoa simples, mas seja asseado, pois existem outras pessoas na casa…

Semedo: A senhora está a pensar que sou eu, mas não viu!

Srª Rosália: Não estou aqui para ver as vergonhas do próximo… Sabe bem que temos de ser uns para os outros; e o senhor tem de ter mais cuidado com estas situações. Se for você! Está manhã estive a limpar a casa de banho, depois voltei a entrar lá, porque me tinha esquecido do pano do pó, e deparo-me com pingas de mijo nos azulejos, meus não seriam, pois não ando a regar em pé, e como mais ninguém aqui estava, deduzo que seja o senhor. Tenha cuidado, e estime as coisas.

Semedo: (desvia o olhar para o lado ao mesmo tempo que abaixa o queixo)

Srª Rosália: Estime as coisas, é o meu conselho!!!

Semedo: Eu vou ter mais cuidado. Mas anteontem por causa do ralo da banheira chamou-me à atenção, e eu não tinha nada que ver com o assunto. Até parece que se lá andam a rapar…a rapar… imagine…

Srª Rosália: Olhe Senhor Semedo o melhor é ficarmos por aqui. Desculpe o incómodo ao jantar. Eu me vou, que tenho que tratar do meu!

(Pausa)

Semedo: Raios a partam, que limpe, pois eu pago-lhe!

(Recebe uma mensagem no telemóvel)

Mas quem és tu, olha-me este agora, está bem que te chames Gomes, mas não te conheço… oh, vou para onde…às… é mas é maluco! É mas é maluco…

(O tipo liga)

Estou… mas… ah! sim, mas deve estar enganado…ah! sério que sim. Não me chateie, tente outro número.

(Pausa)

Queria o maluco, sair, pensa que tenho 20 anos, e que vou pagar-lhe alguma puta. Eu estive a combater… sei o que são as putas… e as infecções…. Que vá para o caralho!

(Pausa)

Petróleo e mais petróleo, isso é lá fora!

(Pausa)

Comer aqui é que é poupar, um tacho dá para 4 dias…

(Observa a televisão, e faz diversos zappings, sucessivamente, até ao abrupto blackout))


Cena 5 (A visitante)


Dentro do quarto com a parca iluminação, o telemóvel toca…

Semedo: Olá bom dia, ligas-me… és tu, parecia a voz da tua mãe… nem sabes o tempo que passou. Sim o local é bom, para o preço que é, é razoável. Queres saber se deixei aí alguma coisa? Vens cá amanhã, oh, sou assim tão importante para ter visitas. Tinhas medo… porque a rua era de má fama. Está bem… Traz então, se tendes uma a mais, que eu deixo no quarto… aqui há uma na saleta, não é grande coisa mas o sofá é bom! Se não pergunto nada… tu, é que estás aí, tu é que me podes trazer notícias. Estou bem, estou bem. Quero que saibas, que nem tu nem eu! Não estão mais amaciados… ora não vou perder o sono com isso. Nem tu nem eu! Sim! Mas podes ter a certeza que não vão mais roubar do meu prato! Tens de ir… está bem. Tudo está conversado, nada há mais, mais nada… Amanhã á tarde cá espero. É na Viela de São João, número 21, 2 º andar. Sim… sim… há intercomunicador… Adeus, boa viagem!

Galdéria, andas a estudar ecologia, aqui perto. Os teus pais é que são culpados. Se um gajo tivesse filhos…. se um gajo… mas sei lá, ainda saíram como os meus irmãos e irmãs. Chupistas dum raio, até os emigrados. A galdéria. Tenho aqui duas televisões, não preciso que me venhas trazer uma lata qualquer, e passear as mamas!

(Pausa)

Estou sim. Só depois de amanhã. Estimo-lhe as melhoras, não te esqueças de lhe dizer. Não faz mal. Nenhum. Vais ver que ainda te vai dar mais do que pensas, não sabes o que ela pensa de ti a sério. Está velha é o que é! Então adeus… e até breve.

És como a tua mãe, que só pensava em bailes, e dos dias felizes á moda antiga.

(Fade out)


Cena 6 (O outro está no sofá a ver a televisão boa)


Semedo: Ainda lá está… se pudesse… tirava uma cavilha, e acabava com ele, mas não estamos no mato.

(Pausa)

Quase que me viu… Lá continua, que animal. Pensas que isto fica assim… eu sei que queres fazer o comer, e não vai demorar muito.

(Pausa)

(Depois de ganhar coragem, aproxima-se do outro)

Não vai jantar, não vai ou já comeu fora… o fogão já está livre, se quiser faça o jantar, faça o jantar.

Outro: Ao jantar eu ainda não vou já…!

Semedo: Vai lá fora?!

Outro: Não, estou a dizer que vou jantar quando entender…, vou assim que entender!

(Semedo recua até aos aposentos, depois entra na cozinha e arreda um banco para se sentar, vê televisão. A cabeça está sobrelevada. A televisão abre uma fresta de luz.)

(Pausa)

(O Outro, despega-se do sofá, e passivamente entra na cozinha onde procura ingredientes. Sai novamente, procurando o isqueiro. Semedo deve-o ter com ele por asco. Semedo sai depois, inflecte para o quarto, disfarçadamente, e retoma o caminho para o sofá.)

(Fade out)


Cena 7 (Medicamentos)


Um terço da luz ilumina o quarto. Na penumbra quase total, um homem dorme, dentro de uma enorme fatia de cobertores. O conforto do sono não será perturbado pelo ruído agudo da telefonia? Estará a dormir? Do quanto se consegue vislumbrar o mobiliário enegrecido, com algumas mossas, e cortes na madeira lacada. Há no ar o cheiro da urina; e o bafo retido no cubículo; o cotão com pó que petrifica o chão debaixo da cama. O relógio dispara, que é hora de tomar os comprimidos para adormecer. O homem está alerta, tosse e ergue-se, ilumina a dose habitual e deita-se novamente com os comprimidos se desfazendo nas entranhas. O rádio continua pela madragoa tocando, como se fosse a luz de vigília de crianças.

Monólogo ao tomar os comprimidos

Semedo: Este vou guardar para amanhã e este também, que a vida está cara, e porque preciso de dinheiro para o talho, e comprar as aparas é o que é!. São horas … (tosse) … são só mais este dois, e assim só de amanhã a oito é que compro uma nova caixa … (tosse). (Pausa) E tu vai tocar para a puta que te pariu (desliga o alarme, e volta a deitar-se).


Anotações


Cidadão Nemo é a constituição da decadência nos seus últimos patamares, de um cidadão ninguém, num mundo em que todos são nada, e em que esse nada nem entra no mundo. Para fazer parte do mundo é preciso ser livre.

A peça é um passo que antecede a caminhada para um quarto mais pequeno que é o caixão. Existirá ainda lugar para auto-avaliação, regressão, e partilha? A casa de hóspedes; uma casa de respeito, é o primeiro estágio do fim. E o fim muda tudo? Cidadão Nemo é um quadro de Schopenhauer, e o modo como ele acabaria nos dias de hoje, encostado ao medo vindo dos actos de uma encarregado de um senhor visível: um deus económico que usa fraque negro, e que se está a borrifar para a escadaria de deficiências que acompanha os habitantes daquele aquário mal cheiroso.

As cenas são repetitivas pois nada vai mudar, o que podia ter sido a mudança morreu com a idade adulta. Não se vive com um propósito, mesmo que seja a boémia mais grave; vive-se com o ácido úrico e a sensação crespa quando acontece alguma coisa que desvia tudo do caminho natural das coisas. O caminho natural das personagens. O Cidadão Nemo, que já nem acredita na democracia, se alguma vez acreditou, tem apenas um motivo que o revolve quando torce pelo juro baixo, a renda, e uma reforma digna de um grande poeta como Luís de Camões.

Quanto á parte técnica e cenográfica, espero que as informações patentes nas didascálias bastem para realizar o corpo desta peça. Tudo deve ser respeitado para criar o ambiente, dos cheiros ás luzes. Bem sei que pode ser desagradável, mas quero que a mensagem desta peça não alastre como um poema de livre apreciação. O texto não revela nenhum segredo, somente a banalidade repetida até o último grito
cardíaco.


Paulo Seara
23/ 05/06

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

SCREEN SHOT por A.A.M. (#33/2015)

(Screen Shot é escrito segundo a nova variação ortográfica.)


Filme: Amy (2015)
Realização: Asif Kapadia


Com imagens e músicas inéditas, Amy é mais do que um filme biográfico. Aliás, é um documentário onde mostra toda a genuinidade daquela que terá sido uma das maiores estrelas da música. Há algumas vezes aconteceu em que o talento sobrenatural anda junto com a desgraça e assim aconteceu. Em Back to Black, Amy Winehouse teve a sua confirmação como celebridade mundial, mas também fez com que seus problemas com álcool e narcóticos aumentassem. Asif Kapadia, que tinha realizado Senna, documentário sobre o piloto brasileiro, constrói um retrato poderoso sobre uma estória trágico-bela, refutado pela família mas aclamado pelos fãs. Amy, é a voz que ficará para sempre.


quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Ditados Impopulares (#16/2015)

(N.R.: Devido a problemas com o serviço de Internet o ditado desta semana chega "fora de horas".)




"Um provérbio que privilegia a estética musical e a boa vizinhança."


Segue os Ditados Impopulares no facebook. ;)

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Poesia de primeira, à Segunda-Feira (#32/2015)

Fala do Velho do Restelo ao astronauta 


Aqui na terra a fome continua
A miséria e o luto
A miséria e o luto e outra vez a fome
Acendemos cigarros em fogos de napalm
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
Ou talvez da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti eu nem sei que desejos
De mais alto que nós, de melhor e mais puro.
No jornal soletramos de olhos tensos
Maravilhas de espaço e de vertigem.
Salgados oceanos que circundam
Ilhas mortas de sede onde não chove.
Mas a terra, astronauta, é boa mesa
(E as bombas de napalm são brinquedos)
Onde come brincando só a fome
Só a fome, astronauta, só a fome.


José Saramago

domingo, 9 de agosto de 2015

Undenied Pleasures por Nuno Baptista (#32/2015)



Where Did Nora Go, A.K.A. Astrid Nora, lançou o seu álbum de estreia em 2013, começo mais auspicioso não podia ser. Este trabalho combina violoncelo com sons electrónicos e uma voz impressionante dotada de um dinamismo raro. O álbum em si potencia ao ouvinte espaços musicais mágicos, envolventes e actuais, mesmo com a geral ausência do violoncelo nos dias de hoje. Um trabalho digno de grande sucesso.
Fiquem com o primeiro "single" "Please Pleaser".


sábado, 8 de agosto de 2015

Cidadão Nemo por Paulo Seara (#06/2015)

(Na próxima semana Cidadão Nemo chega ao fim. Numa edição especial, a Pomar de Letras vai publicar a peça na integra, desde a primeira até à última cena, incluíndo as anotações do autor.)


Cidadão Nemo
Peça em 1 Acto

Por Paulo Seara


Cena 6 (O outro está no sofá a ver a televisão boa)


Semedo: Ainda lá está… se pudesse… tirava uma cavilha, e acabava com ele, mas não estamos no mato.

(Pausa)

Quase que me viu… Lá continua, que animal. Pensas que isto fica assim… eu sei que queres fazer o comer, e não vai demorar muito.

(Pausa)

(Depois de ganhar coragem, aproxima-se do outro)

Não vai jantar, não vai ou já comeu fora… o fogão já está livre, se quiser faça o jantar, faça o jantar.

Outro: Ao jantar eu ainda não vou já…!

Semedo: Vai lá fora?!

Outro: Não, estou a dizer que vou jantar quando entender…, vou assim que entender!

(Semedo recua até aos aposentos, depois entra na cozinha e arreda um banco para se sentar, vê televisão. A cabeça está sobrelevada. A televisão abre uma fresta de luz.)

(Pausa)

(O Outro, despega-se do sofá, e passivamente entra na cozinha onde procura ingredientes. Sai novamente, procurando o isqueiro. Semedo deve-o ter com ele por asco. Semedo sai depois, inflecte para o quarto, disfarçadamente, e retoma o caminho para o sofá.)

(Fade out)

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

SCREEN SHOT por A.A.M. (#32/2015)

(Screen Shot é escrito segundo a nova variação ortográfica.)


Produção: BBC


Nunca para de nos surpreender a Natureza e todas as suas formas de vida. Ainda hoje e com todo o conhecimento que possuímos, existem ainda enigmas que não se conseguiram desvendar. Life Story, narrado por David Attenbourough, apresenta-nos um rol de aventuras captadas com recurso à mais recente tecnologia no que diz respeito à filmagem, qualidade de imagem e qualidade de som, imiscuindo o observador no hatitat natural dos animais. Um total de 7 episódios: "First Steps", "Growing Up", "Home", "Power", "Courtship", "Parenthood" e "The Full Circle" onde reúne a história animal, louva e celebra a sua existência, numa jornada pela vida. Essencial.


quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Animagem (#16/2015)

This Way Up, que livremente traduzímos por O Caminho Certo, é de certo modo uma metáfora sobre a virtude e gratificação de um trabalho bem feito; e sobre os trilhos e atalhos que a vida nos faz percorrer. Porque como se costuma dizer, o caminho faz-se caminhando.


segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Poesia de primeira, à Segunda-Feira (#31/2015)

estranho mundo este
que habito e a que pertenço.
estranho ser este que sou.

lareando pelas ruas,
sob o cegante fulgor da lua,
erro consorte da solidão.
cambaleante tropeço
em finas folhas de papel!
e deambulando fujo,
escondendo-me nas cinzas
que espalhei no ocaso do mundo.

na sombra fria do vento,
aguardo junto ao mar
a queda de uma lágrima
que masturbe os oceanos.

quem me dera morrer
e ver meus restos mortais enterrados
no mais profundo pesar

da tua consciência...


Rogério Paulo E. Martins

domingo, 2 de agosto de 2015

Undenied Pleasures por Nuno Baptista (#31/2015)



The Besnard Lakes são descritos como uma banda de "Space Rock", liderada por Olga Goreas e Jace Lasek. Until In Excess, Imperceptible UFO é descrito como sonhador e pleno em hipnotismo, principalmente no que concerne a voz de Olga. As músicas contêm momentos de pura inspiração lírica envolta em guitarras deambulantes e uma percussão acente no Rock. Este trabalho conta também com a harpa de Sarah Page e um coro a acompanhar, boa!
Fiquem com o primeiro single People Of The Sticks.


sábado, 1 de agosto de 2015

Cidadão Nemo por Paulo Seara (#05/2015)

Cidadão Nemo
Peça em 1 Acto

Por Paulo Seara


Cena 5 (A visitante)


Dentro do quarto com a parca iluminação, o telemóvel toca…

Semedo: Olá bom dia, ligas-me… és tu, parecia a voz da tua mãe… nem sabes o tempo que passou. Sim o local é bom, para o preço que é, é razoável. Queres saber se deixei aí alguma coisa? Vens cá amanhã, oh, sou assim tão importante para ter visitas. Tinhas medo… porque a rua era de má fama. Está bem… Traz então, se tendes uma a mais, que eu deixo no quarto… aqui há uma na saleta, não é grande coisa mas o sofá é bom! Se não pergunto nada… tu, é que estás aí, tu é que me podes trazer notícias. Estou bem, estou bem. Quero que saibas, que nem tu nem eu! Não estão mais amaciados… ora não vou perder o sono com isso. Nem tu nem eu! Sim! Mas podes ter a certeza que não vão mais roubar do meu prato! Tens de ir… está bem. Tudo está conversado, nada há mais, mais nada… Amanhã á tarde cá espero. É na Viela de São João, número 21, 2 º andar. Sim… sim… há intercomunicador… Adeus, boa viagem!

Galdéria, andas a estudar ecologia, aqui perto. Os teus pais é que são culpados. Se um gajo tivesse filhos…. se um gajo… mas sei lá, ainda saíram como os meus irmãos e irmãs. Chupistas dum raio, até os emigrados. A galdéria. Tenho aqui duas televisões, não preciso que me venhas trazer uma lata qualquer, e passear as mamas!

(Pausa)

Estou sim. Só depois de amanhã. Estimo-lhe as melhoras, não te esqueças de lhe dizer. Não faz mal. Nenhum. Vais ver que ainda te vai dar mais do que pensas, não sabes o que ela pensa de ti a sério. Está velha é o que é! Então adeus… e até breve.

És como a tua mãe, que só pensava em bailes, e dos dias felizes á moda antiga.

(Fade out)