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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Livros que nos devoram por Luísa Félix (#02/2016)

Não Matem a Cotovia, de Harper Lee


«As cotovias não fazem mais nada senão cantar para satisfação nossa. Não comem coisas nos jardins das pessoas, não fazem ninhos nas searas, não causam danos a ninguém. É por isso que é pecado matar uma cotovia.»


Bastou a Nelle Harper Lee ter escrito “To Kill a Mocking Bird”, título que em português surge em três versões – “Não Matem a Cotovia”, “Por Favor, Não Matem a Cotovia” e “Mataram a Cotovia” -, para inscrever o seu nome na galeria de clássicos da literatura.

Harper Lee, como ficou mundialmente conhecida a escritora norte-americana que faleceu no passado dia 19, com quase 90 anos, publicou “Não matem a cotovia”, o seu primeiro romance, em 1960. Este foi um sucesso imediato de vendas, tendo valido à autora o Prémio Pulitzer. Em 1962, a obra foi adaptada ao cinema por Robert Mulligan, num filme protagonizado por Gregory Peck, que recebeu o óscar de melhor actor.

A acção de “Não Matem a Cotovia” decorre em Maycomb, uma pequena cidade do Sul dos Estados Unidos, no período da Depressão. Atticus Finch, o protagonista, advogado (como o pai da autora), viúvo e pai de dois filhos, Jean Louise, que todos tratam por Scout, e Jem, é incumbido de defender um rapaz negro, acusado injustamente de ter violado uma jovem branca. É Scout quem, alguns anos depois, já adulta, narra os acontecimentos, que surgem filtrados pela distância temporal e pela visão inocente de uma rapariga de sete anos.

Scout prefere vestir-se como um rapaz e ter como companheiros de brincadeiras o irmão e Dill, um vizinho mais novo, personagem inspirada no vizinho e amigo Truman Capote, autor de “A Sangue Frio”. Apesar da atenção de Atticus e dos cuidados de Calpurnia, a empregada de cor, que é tratada como um elemento da família, Scout e Jem, quase sempre acompanhados por Dill, passam os dias de férias em liberdade e a espiar a casa de um vizinho mais velho que tem um atraso mental e que praticamente não sai à rua. Contudo, Boo Radley simpatiza com os irmãos Finch, deixando-lhes pequenas lembranças, algumas fabricadas por si, no buraco do tronco de uma árvore.

Atticus Finch surge como um símbolo de coragem, que defende, com serenidade e ponderação as suas convicções e que não vacila perante as ameaças de uma comunidade conservadora e preconceituosa, mesmo quando sente comprometida a sua segurança e a dos próprios filhos. Este advogado viúvo revela-se um homem à frente do seu tempo, tolerante e íntegro, que ensina aos filhos, pelo exemplo e pelas palavras, o respeito por si próprios e pelos outros. Apesar de defender com determinação Tom Robinson, o seu cliente, não consegue que este seja o primeiro negro a vencer uma causa contra um branco, na cidade de Maycomb.

“Não Matem a Cotovia” constitui um protesto contra uma sociedade conservadora e racista e um documento com contornos históricos e sociológicos, na medida em que a autora, influenciada pelas suas próprias vivências, retrata o dia-a-dia de uma cidade pequena da América dos anos 30. Talvez estes factores, a par da intriga e da riqueza humana das suas personagens, justifique o sucesso da obra que em sido lida por diferentes gerações de leitores.

Harper Lee nasceu em 1926 em Monroeville, uma cidade pequena do Alabama, e formou-se em Direito na Universidade do Alabama. Em 1950, mudou-se para Nova Iorque, onde trabalhou numa companhia aérea. Durante dois anos, graças às doações de amigos, suspendeu o seu trabalho, para se dedicar à escrita de “Não Matem a Cotovia”. Depois desta obra, a autora escreveu ensaios e contos e só em 2015 publicou “Vai e Põe uma Sentinela” (“Go Set a Watchman”, no original), que terá sido escrito antes de “Não Matem a Cotovia”.


Gregory Peck e Harper Lee, durante a gravação do filme “Na Sombra e no Silêncio”


A autora, Luísa Félix, pode ser seguida no seu blogue, Letras são papéis.

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