Poeira, primeira do dia, vinda
do leste, acompanhada do sol. Temos os punhos e os pés numa profundidade
mineral, como aquele carrasco que roubou das rochas a sobrevivência. Pensei que
ao fazer calor fosse mais fácil. Agora não. Se o sol entrasse em mim. Mas não,
aqui no promontório rebenta ainda a primeira luz. No rio, a água vai assustada.
Espero mais um pouco pelo halo superior.
“Desanoiteceu”, e os rurais vão encarreirados, até chegar à ariadne
muito fio falta dobar. Desaparece, desfalece na atmosfera o orvalho esganado
com os primeiros golpes do sol. Rebenta um cano de escape, um trotar dos
cavalos mecânicos que interrompe a écloga nos socalcos.
Augusto ficou para trás da
equipa. Plantou-se enquistado nas parras. O homem era tumultuoso e madrugador
na bebida. Tinha posto o pé na terra ontem, vindo de Lisboa. Todos os anos
secretariava várias vindimas, não era um meritocrático do trabalho, apenas
secretariava as vindimas. Mas assim como recolhemos a casa todos os fins de
tarde, Augusto voltava da capital onde vivia recolhido nos cartões, ou
navegando à vista dos supermercados; caçava esmolas, e agregava-se juntos dos sem-abrigo.
Um errante sui generis.
Se Augusto não trabalha ainda
vai trabalhar!? Continuamos nesta memória e matéria. Observei agitação e pessoas
engalfinhadas em volta das mochilas. Augusto tinha sido acometido por um vómito
que levaria um qualquer mortal ao desmaio: de joelhos às pedras.
A minha mochila jazia no chão,
alvejada com o suco gástrico. O autor encontrava-se desaparecido. O estupor do
homem passava os dias transparente ou contando piadas de humor televisivo
rasca: mau gosto e brejeirice. Era óbvio que não tinha feito a pútrida
jactância intencionalmente. Mas é humilhante encontrar os nossos objectos
derramados por uma maré de vinho tinto e pequeno-almoço parcialmente digerido.
Não se apanham moscas com
vinagre. O Augusto estava nas proximidades, mas onde? Alguns minutos depois foi
encontrado. Os cães tinham dado com o corpo envolvido em toalhas e cordas, de
borco, encovado num fosso de escoamento da água, ao lado do muro da
propriedade. Morto de crise hepática, Augusto não voltaria às avenidas de
Lisboa.
Paulo Seara, Fevereiro 2013
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