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quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Livros que nos devoram por Luísa Félix (#01/2016)

Crónica de Uma Morte Anunciada, de Gabriel García Marquéz


«No dia em que iam matá-lo, Santiago Nasar levantou-se às 5h30 da manhã para esperar o barco em que chegava o bispo. Tinha sonhado que atravessava uma mata de figueiras-bravas, onde caía uma chuva miúda e branda, e por uns instantes foi feliz no sono, mas ao acordar sentiu-se todo borrado de caca de pássaros. «Sonhava sempre com árvores», disse-me a mãe, Plácida Linero, recordando 27 anos depois os pormenores daquela segunda-feira ingrata. [...] Tinha uma reputação bastante bem ganha de intérprete certeira dos sonhos alheios, desde que lhos contassem em jejum, mas não descobrira qualquer augúrio aziago nesses dois sonhos do filho, nem nos restantes com árvores que ele lhe contara nas manhãs que precederam a sua morte.»






Marquéz, Gabriel García, Crónica de Uma Morte Anunciada, Dom Quixote (tradução de Fernando Assis Pacheco)


À semelhança do que acontece noutras obras do autor e muito na literatura sul americana, em Crónica de Uma Morte Anunciada desenvolvem-se algumas temáticas que se associam a um universo fechado e conservador, onde sobrevive um certo primitivismo: o realismo mágico, a justiça que se faz pelas próprias mãos, os sinais de tragédia eminente, a crença em presságios e no poder de adivinhação, a superação da desonra pelos crimes de sangue, a supremacia e virilidade masculinas que se afirmam pelo assédio e pela violência.

A história é contada, pelo recurso à analepse, por um narrador participante, que terá privado com o protagonista e que opta por um tom jornalístico, objetivo, sem divagações, reconstruindo os acontecimentos socorrendo-se da própria memória e dos relatos das diferentes personagens que entrevista, mais de vinte anos depois da morte do amigo.

A novela tem como protagonista Santiago Nasar, um jovem de vinte e um anos, filho de um rico emigrante árabe. Além de belo, Santiago é culto, corajoso e prudente. Aprendera, com o pai, a manusear armas e, também influenciado por ele, desenvolvera o gosto por cavalos e pela caça de altanaria.

Na noite do casamento com Bayardo San Román, um forasteiro de quem se desconhece o passado e que desperta a desconfiança dos habitantes da localidade e a ganância dos Vicario, Angela é devolvida à mãe por já não ser virgem. Instigada pela família a denunciar o responsável pela sua desonra, a rapariga pronuncia, mentindo, o nome de Santiago Nasar, crente de que a condição social do jovem o tornará imune a qualquer castigo. Santiago Nasar passa, assim, a ser o alvo do ódio dos irmãos Pedro e .Pablo Vicario, que juram publicamente matá-lo para vingar a irmã. 

São vários os presságios que anunciam a morte do protagonista, como são muitas as personagens que conhecem a intenção dos irmãos de Angela. Porém, tudo se conjuga para que Santiago não seja avisado a tempo de se evitar a tragédia. 

Baseada num crime que ocorreu em 1951, numa pequena localidade da costa do Caribe, Crónica de Uma Morte Anunciada foi publicada em 1981 e adaptada ao cinema por Francesco Rosi, em 1987, tendo sido os principais papéis interpretados por actores como Irene Papas, Anthony Delon e Ornella Muti.


A autora, Luísa Félix, pode ser seguida no seu blogue, Letras são papéis.

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