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quarta-feira, 29 de abril de 2015

Livros que nos devoram por Luísa Félix (#04/2015)

Stoner, de John Williams


«Um aluno que ocasionalmente depare com o nome poderá perguntar-se quem era William Stoner, mas poucas vezes tentará saciar a curiosidade, indo além da pergunta casual. Os colegas de Stoner, que não lhe tinham uma estima por aí além quando era vivo, raramente falam dele agora; para os mais velhos, o nome é um lembrete do fim que os espera a todos e, para os mais jovens, é um mero som que não evoca qualquer noção do passado nem qualquer sentimento de identificação quer em termos pessoais, quer em termos de carreira.»


John Edward Williams, Stoner, Publicações D. Quixote, p. 7


Não conhecia Stoner, até ao dia – há pouco mais de um mês – em que, passando por um blogue que costumo visitar, deparei com a imagem da capa, uma passagem do livro e um breve comentário da anfitriã. A minha curiosidade levou-me, de imediato, à página de uma editora que disponibiliza de quinze a vinte páginas de algumas obras, para leitura prévia. Li essas páginas e, poucos dias depois, tinha o livro comigo e a companhia algo soturna, mas longe de ser sinistra, de William Stoner, o protagonista.

Apesar de sido publicado, nos Estados Unidos, em 1965, Stoner acabou por cair no esquecimento e só recentemente ganhou popularidade, depois de ter sido traduzido para o francês por Anna Gavalda e publicado, inicialmente, em França e, de seguida, noutros países da Europa. Depressa ganhou a simpatia dos leitores e os elogios de escritores europeus de renome, como Ian McEwan ou Julian Barnes.

Stoner conta a história de William Stoner, nascido no seio de uma família humilde de agricultores, que não ambicionavam para o filho mais do que os estudos obrigatórios e um futuro na quinta. Contudo, o destino de Stoner ganha outro rumo, quando, terminada a escola obrigatória, um conselheiro rural sugere ao pai que o filho deveria candidatar-se à Escola Agrária da Universidade de Columbia. William acaba por ingressar na escola, instalando-se na quinta de uns familiares, que o acolhem com a condição de ele trabalhar para eles. Apesar de o trabalho árduo lhe deixar pouco tempo livre, Stoner conclui o primeiro ano do curso. O seu fascínio crescente pela cadeira de literatura leva-o, no início do segundo ano, a substituir a Agricultura por Literatura, sem dar a conhecer aos pais a sua decisão. Terminado o curso, Archer Sloane, o professor de Literatura, propõe-lhe um lugar de assistente na universidade. 

Embora seja um professor dedicado, um desentendimento com um superior impedi-lo-á, durante décadas, de progredir na carreira e de sair da obscuridade. Acerca de Stoner vão surgindo, ao longo desses anos, mitos que dão dele uma certa imagem de excentricidade. 

A vida pessoal de William não é menos cinzenta. Casa, ainda muito jovem, com uma mulher que não o ama e que, ao longo de muitos anos de convivência, o hostiliza e afasta da única filha. Quando o protagonista se apaixona e vive durante algum tempo um romance com uma aluna, temos esperança de que a sua vida possa mudar e que ele consiga, finalmente, pôr fim a um casamento que não o faz feliz. Mas tal não acontece, acabando por deixar partir a única mulher que ama verdadeiramente.

Stoner, que nasceu no fim do século XIX, vive os contratempos de duas guerras mundiais, não chegando a superar a morte de um amigo que perde na primeira.

Ficamos, desde o início da narrativa, com a imagem de uma personagem apagada, incapaz de impor a sua vontade, que leva uma vida profundamente infeliz. Há, inclusive, momentos em que nos dá vontade de abanar Stoner, de tomar decisões por ele. Contudo, se quisermos ser justos, vislumbramos nele resiliência, princípios inabaláveis, que o impedem de ir pelos caminhos que os outros querem, a todo o custo, traçar para ele, qualidades que fazem dele um ser único. O autor afirma, numa entrevista, que não vê Stoner como ser infeliz, antes como alguém realizado, porque fez sempre aquilo que quis e de que gostava.

A escrita de John Williams é limpa, serena, sem grandes artifícios de retórica, mas literariamente eficaz, quer pela clareza do discurso, quer pela técnica narrativa, que leva o leitor a querer sempre ler mais uma página.


A autora, Luísa Félix, pode ser seguida no seu blogue, Letras são papéis.

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