Para celebrar o dia mundial da poesia (21 de Março), durante esta semana, todos os dias haverá Poesia de primeira; dois poemas, um da autoria dos nossos colaboradores, o outro um poema de um autor escolhido por outro colaborador. Uma boa semana, boa Primavera, e boas leituras.
Uniões I
Ideias, conceitos, vogo até ao termo
despropositado de vulgares ideais idealizados, deambulatórios no pináculo
sobriamente divagado nas curvas que te comandam… vozes aleatórias que perseguem
o corpo, tributos turvos de atribulados espaços errantes, captas a instância,
prevaleces na figura, observas atentamente aquele ponto que te persegue,
deslumbras-te no vazio e consomes-te no tecido… Espraias-te no zimbório tocando
com teus dedos, humedecidos no sexo, as extremidades das constelações esquecidas
e deixas-te guiar para o papel. Pelo papel renasces bela, adormecida, dormindo
num pesadelo de cetim, onde tu, Cronos, regurgitando teus filhos, te perdes na
embriaguez das vagas encrespando seu abraço em teu redor. Num suave toque de
seda, deixas-te deslumbrar pela ausência idealizada em mecanismos
anatematizados pelo torpor do ódio enquanto olhas, captando o vazio. Deixas que
o algodão te toque, doce como o mar.
Nuno Baptista e Rogério Paulo E. Martins
Espaços em Branco
Ao fim da noite, no frio do táxi, pousas
a cabeça no meu ombro - e assim entramos
duma vez e inteiramente na nossa vida.
Lá fora, pelo contrário, tudo perde realidade;
há em toda a parte um sossego abstracto,
as ruas parecem pintadas - betão entre
as árvores - numa tela baça. Vamos por lugares
que não reconheço, a minha geografia é vaga
e omissa como a dos velhos cartógrafos
que desenhavam um mundo cheio de espaços
em branco. É onde estamos agora, num
intervalo do mapa rente à primeira manhã -
que será a nossa e também a última.
Rui Pires Cabral
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