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sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Livros que nos devoram por Luísa Félix (#08/2015)

Poesias Completas, de Mário de Sá-Carneiro




Mário de Sá-Carneiro pôs termo à vida, num quarto em Paris, em 1916, com apenas 26 anos. Contudo, o facto de ter vivido pouco tempo não o impediu de produzir uma obra rica e diversificada, ainda que pouco extensa. Poesias Completas, uma publicação de 1985, da responsabilidade da editora Orfeu, reúne poemas do autor, inicialmente publicados nos volumes Dispersão (1914) e Indícios de Oiro (1938), bem como o poema “Manucure”, dado a conhecer na revista Orpheu.

Na sua poesia, Mário de Sá-Carneiro exprime frequentemente, à semelhança de Pessoa, a nostalgia do “além” («A minh’alma nostálgica de além» - “Partida”), o desejo de evasão («Quero dormir... ancorar», em “Vontade de dormir” ou «Ah, que me metam entre cobertores, / E não me façam mais nada!...», em “Caranguejola”)), a dispersão do eu, a incapacidade de se definir e de se encontrar («Perdi-me dentro de mim/ Porque eu era labirinto», em “Dispersão”). 

Sá-Carneiro é também o poeta da desilusão e da dor, que resultam da constatação de que a sua vida fica sempre aquém daquilo que sonha («Um pouco mais de sol – eu era brasa. / Um pouco mais de azul – eu era além. / Para atingir, faltou-me um golpe de asa... / (...) De tudo houve um começo... e tudo errou... / - Ai a dor de ser quase, dor sem fim... -/ Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim, / Asa que se elançou mas não voou...», no poema “Quase”) ou do desalento («A minha vida sentou-se/ E não há quem a levante,/ Que desde o Poente ao Levante/ A minha vida fartou-se. //E ei-la, a mona, lá está,/ Estendida, a perna traçada,/ No infindável sofá/ Da minha Alma estofada.», em “Serradura”).

Ainda que seja o poeta pessimista do desalento, do tédio e da desilusão, há em muitos dos seus textos um toque de ironia, como se ele se risse da sua própria desgraça, há o brilho dourado dos palácios e dos salões de baile, a euforia do mundo moderno, sobretudo no grafismo de alguns textos, à semelhança do que encontramos nas odes do heterónimo pessoano Álvaro de Campos.

No ano em que se celebram os cem anos da revista Orpheu, nada melhor do que ler ou reler a obra de um dos seus fundadores, que foi companheiro de Fernando Pessoa e de Almada Negreiros, e de outros, no compromisso de provocar e sacudir o meio literário da época, marcando, assim, o início do Modernismo em Portugal.


A autora, Luísa Félix, pode ser seguida no seu blogue, Letras são papéis.

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