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segunda-feira, 4 de maio de 2015

Poesia de primeira, à Segunda-Feira (#18/2015)

O carteiro de Pablo Neruda


Impecável no uniforme
O carteiro de Pablo Neruda.
Recebo-te com jogos de sombras e
Lateja a dureza de formigueiro no meu braço
Como uma lixa esfregando até se fazer dia.
Acordado às onze horas e sem pequeno-almoço
O carteiro carregou-me de bemóis no resto das costas,
Traz-me uma conta, uma dívida,
Um juro sináptico e o patíbulo somático
Do tribunal da sociedade de mercado livre.

De súbito, dez metros de labaredas
E o pêlo do cão pompeia no orvalho
Uma destruição aquiesce, uma vez e outra vez;
E conto as suas sete partidas, sete nós e sete caralhos.

O amor é uma coisa, fora do sistema deste mensageiro.
Não me trouxe a beleza – que tudo acaba na capitulação –
Quando os rostos estremecem é por cobiça,
Uma algaraviada de lógica, ou ópera ensandecida de braços ao sol
Ao jeito dos italianos purpúreos de indignação.

Mas o começo da ária de Sibaris
Serve-se agora gorgolejante no riacho frio
Nas faldas e fisgas do Marão, numa mesa de zinco acesa de sangue
Mostruário do meu coração.

Carteiro galáctico de Pablo Neruda
Murmura o teu automóvel no sorvedouro de saibro
Como as taipas da minha autopista que noutros verões,
Me levaram os carrinhos de corridas.

Se alguém se vai embora (de onde e para onde)?
Mais cedo ou mais tarde a infusa despejar-lhe-á as letras
E os tropeções das letras e as traições do papel químico.
O correio irá demoniacamente atrás de ti
Atrás do teu cheiro como uma puta futura.


(23.07.2013)


Paulo Seara

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