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sábado, 8 de novembro de 2014

Crime Entre Amigos por Paulo Seara

(Se perdeste, algum dos capítulos anteriores de Crime Entre Amigos, podes ler aqui o capítulo primeiro, aqui o capítulo segundo e aqui o terceiro.)


Capítulo IV – 30 de Novembro



O dia 30 de Novembro começou com uma longa roda à volta do quarto. Às 10:30 Rogério andava impaciente com o regresso de Edmundo. Nada poderia falhar agora. Na noite anterior, disfarçadamente, tinha saído e escondera os pés de cabra e a machada. A casa encontrava-se pacificamente silenciosa e estalava o verniz da paciência de Rogério. Enfim, um atraso que se prolongou até às 11:30, quando Edmundo apareceu, finalmente, e buzinou fortemente no automóvel.

Os bons amigos se juntaram e logo veio a família de Rogério atrás, ninguém esperava por ele naquela altura. Edmundo, evasivo, disse que vinha ao certame de caça, estava a pensar dedicar-se a esse desporto; depois de satisfeitas as dúvidas, seguiu-se o almoço. O café nem foi servido, o certame de caça estava quase a abrir, o melhor era fazerem-se ao caminho, mas os dois já almejavam que a noite caísse depressa.

Pelo pavilhão, manifestavam no seu vaguear que se encontravam perdidos, com os pensamentos postos no alto do monte e nas portas da capelinha. Decidiram, para matar o tempo, beber uma caneca de vinho e comer duas revigorantes chouriças na brasa. Falando do omnipresente assunto, relançaram confiança, até ao ponto de deliberarem jantar numa das tendas.

Bem comidos e bebidos voltaram à serra. Pelas 21:00 depreenderam pelos sinais que não se poderiam demorar muito, pois ameaçava chover. De chofre em chofre, a carrinha de Rogério subiu a vereda. Pararam, e fazendo figas, prepararam-se para o assalto. Tinham tudo pronto, o relógio contava, e o tempo em sucessivas revoluções abrira um fôlego quente da respiração. Por entre a vegetação, irromperam duas luzes secretas. E foram directas à parte de trás do templo. Meio embrumados apagaram as lanternas. Tinham o pé de cabra e a machada, a porta o alvo primal. No escuro a machada elevou-se, o pé de cabra já tinha vitimado um pouco a porta, a machada partiria e deslindaria as placas de madeira. Tudo corria bem, mas eis que dois faróis se acenderam. Como dois presos ou dois coelhos na mira da morte, fugiram, deixando a machada no chão. Não tinham reparado que entre dois pinheiros existia um automóvel. Agora não tinham tempo para averiguações, contavam salvar a pele. Podiam ter sido observados e quem sabe reconhecidos. Rogério não se recordava de, em todas as vezes que vigiara o local, observar movimentos estranhos. Edmundo replicou com rancor. Na carrinha discutiram, porque todo o secretismo do golpe estaria de uma próxima vez prejudicado. Na próxima vez não haveria uma feira da caça que servisse de álibi. Bem longe estava posta a próxima oportunidade. Tudo parecia dar azo para desistirem do projecto. E por causa de uns namorados ou lá o que fosse. Mas Rogério entendeu que nem tudo se escapulira das suas mãos. Ele sozinho conduziria a missão, enquanto Edmundo negociaria no mercado negro as jóias a um bom preço. E até se equacionou vender a Santa, quanto mais dinheiro juntassem melhor.

No regresso a casa, de ânimos serenos, pensaram também em se vingar dos miseráveis que apareceram ao canto do descampado. No fim de contas correram riscos, e quem não os corre que os alugue no clube de vídeo. Sentiam-se heróis e criminosos, e encontravam-se perplexos quanto à possibilidade de o povo falar numa tentativa de assalto à capelinha, ou até de uma tentativa de assassinato de um casalinho de amantes, ou até as duas estrelinhas juntas. Riram bastante das suas perversões, e riram pensando já se saberem ricos.

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